Um corvo pousou na marquise do edifício em frente ao seu apartamento. Sentado, à frente de sua escrivaninha, observou bem através da vidraça o olhar do animal.
Abaixou a cabeça e por alguns instantes pensou em coisas ruins, mas logo tirou da cabeça: não passava de constantes histórias de terror.
Firmou os pensamentos e os dedos correram soltos pelo teclado dando corpo ao texto que escrevia. Meia hora depois foi subtraído de seus pensamentos com o ‘cantar’ do corvo.
Os olhares foram trocados. Compreendeu o chamado. Levantou calmamente. Dirigiu-se para a vidraça e a abriu. Retornou e seus pensamentos, seguidos mecanicamente pelos dedos no teclado, iam engrossando o texto.
De tempos em tempo um soprar mais forte do vento entrava pela vidraça aberta. Levantava a cabeça – o corvo ainda estava lá.
O dia foi se apagando. O corvo se envolvendo na negritude do tempo. De repente o corvo faz mais um ‘cantar’ e bate asas – que do lado de cá se ouvia nitidamente. Era algum sinal.
A campainha soou. Dirige-se à porta. Olha pelo ‘olho mágico’: é ela. Apenas respondi – e já do meio da sala, pois se afasta apresentando algum sintoma:
– Já vou.
Quase que correndo fecha a vidraça. Arruma a roupa que vestia – negra como está prevista para o último dia.
Abre a porta.
– Por que demorou tanto? – empurrando-o para o meio da sala, e correndo o olhar por toda a parte como se estivesse a procura de algo que esclarecesse a demora.
Ele, o escritor, permaneceu calado. Ela, não obtendo resposta, começou a circular lentamente pela pequena sala.
Um vento forte entrou pela porta da sala, passou por ambos. A porta fechou-se imediatamente; a vidraça estremeceu.
Ela rapidamente cobriu o rosto com as palmas das mãos. Segundos depois gritou:
– Você está me traindo?
Negativamente ele fez com a cabeça.
– Você a deixou ir pela vidraça, por isso fechou!
Continuava a negar balançando a cabeça.
Dirigiu-se ela para a vidraça e a abriu. Virou-se para ele e com olhar diabólico o encarou. Nada disse, mas o atraiu como imã.
O escritor se aproximando dela, aproximando, aproximando… Da morte! Julho de 2014